Empresas ainda não sabem como medir a produtividade em home office, dizem especialistas
13/09/2025
(Foto: Reprodução) Itaú demite funcionários após avaliar produtividade no home office
Nesta semana, cerca de 1 mil funcionários em regime híbrido ou remoto foram desligados do Itaú Unibanco após uma avaliação da produtividade realizada com softwares de monitoramento instalados nos computadores corporativos.
A legislação permite o uso desses programas, que registram informações como tempo de uso do computador, número de cliques e aplicativos acessados. Entre os softwares mais utilizados no mercado estão XOne, Time Doctor e Teramind, conforme mostrou o g1.
🤔 O caso gerou debate entre profissionais e especialistas sobre a melhor forma de medir a produtividade. Existem métodos confiáveis para avaliar cumprimento de metas e resultados? Os softwares de monitoramento são realmente eficientes?
No olho do furacão, o Itaú afirmou que “não considera exclusivamente o uso de mouse ou teclado” como métricas e não realiza captura de telas, áudios ou vídeos. A instituição utiliza programas com “indicadores robustos da atividade digital real”, incluindo chamadas em vídeo, mensagens, pacote Office, entre outros. (veja nota completa abaixo)
Avaliar o desempenho fora do escritório sem recorrer a métricas injustas é um desafio que persiste desde a pandemia. Ao longo da semana, o g1 procurou 10 das maiores empresas do país que adotam modelos remoto ou híbrido para entender como monitoram a produtividade de seus colaboradores.
Nenhuma empresa concedeu entrevista. Algumas se limitaram a notas informativas sobre medidas de monitoramento, e em vários casos não conseguiram detalhar critérios ou métricas utilizadas para esse acompanhamento.
O g1, então, ouviu especialistas para explicar os principais desafios de medir produtividade no mundo corporativo, abordando os seguintes pontos:
👩🏽💻 A produtividade em home office
📈 Entregas ou horas trabalhadas?
✍🏽 Diferentes áreas, diferentes funções
⁉️ Impactos na carreira e no mercado
Fachada de agência do Itaú Unibanco
Divulgação
👩🏽💻 A produtividade em home office
Anos atrás, a produtividade era mais fácil de ser medida, segundo o professor Marcelo Graglia, que coordena o Observatório do Futuro do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
O cálculo era simples: relacionava o resultado de produção com recursos empregados — como o número de carros fabricados por hora de trabalho, por exemplo. Esse modelo funcionou por décadas.
Durante a pandemia de Covid-19, o home office ganhou força devido ao isolamento social. Nesse período, surgiram diversos softwares para medir o quanto os empregados trabalhavam fora do escritório.
A chegada da inteligência artificial tornou possível monitorar em larga escala o desempenho de quem atua em home office. Embora o uso da IA para controle de produtividade seja legítimo, Graglia alerta que os algoritmos são essencialmente quantitativos e probabilísticos.
“O ser humano avalia de forma quantitativa e qualitativa, objetiva e subjetiva, outro ser humano que também reúne essas características. Quando transferimos essa função para uma máquina ou robô, a análise se torna apenas quantitativa, o que pode gerar erros graves”, explica o professor.
Ou seja, depender exclusivamente desses indicadores pode resultar decisões injustas e até perda de talentos. O Itaú garante que, durante quatro meses, analisou a atividade digital registrada nos softwares corporativos e comparou os dados com jornadas formais e horas extras.
O banco identificou funcionários que registravam apenas 20% de atividade digital diária, de forma recorrente, mesmo com lançamento de horas extras. Já a média geral de atividade no home office foi de 75%, considerada adequada pela instituição.
Alguns ex-funcionários, contudo, relatam que cumpriam as jornadas ou que não receberam feedbacks sobre o desempenho antes da demissão.
📈 Entregas ou horas trabalhadas?
Para Thatiana Cappellano, mestre em ciências sociais e consultora de trabalho, medir produtividade apenas pelo tempo diante do computador é arcaico e simplista. Para ela, o correto é avaliar a entrega e a qualidade do trabalho.
“O essencial é analisar o que se produz e em quanto tempo, priorizando a entrega final de projetos ou produtos, em vez de vigiar se o colaborador passa oito horas na cadeira ou mexe no mouse o tempo todo”, explica.
Já o professor Marcelo Graglia, da PUC-SP, alerta que o uso de tecnologias de monitoramento pode até gerar ganhos imediatos, mas compromete os resultados no médio e longo prazo.
Ele lembra que eficiência (fazer rápido e barato) não é o mesmo que eficácia (alcançar bons resultados). Basear-se apenas em dados quantitativos pode quebrar a confiança entre empresa e empregado, elevar a ansiedade, aumentar casos de burnout e provocar perda de talentos e rotatividade.
O controle excessivo pode transformar o ambiente corporativo em um “reality show”, levando até os funcionários mais dedicados a simular atividades apenas para aparentar produtividade.
Essa estratégia é uma contradição: resolve-se o problema no curto prazo, mas criam-se efeitos colaterais que corroem o desempenho da equipe.
Esse comportamento, que Graglia chama de “neurose organizacional”, corrói a produtividade real e ignora conceitos modernos de gestão baseados em autonomia e confiança, defendidos há décadas por teóricos como Peter Drucker.
Drucker, o “pai da gestão”, é um crítico do modelo do “capataz”, que vigia e pune. Por isso, as empresas investiram por décadas em ambientes baseados em confiança, autonomia e autogestão. Ele alerta, porém, que o uso excessivo de tecnologias de controle ameaça esse avanço.
Por que tantos profissionais preferem se demitir a deixar o home office?
✍🏽 Diferentes áreas, diferentes funções
A Professora Luciana Morilas, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, avalia que falta adequação à avaliação de desempenho nas empresas. Para ela, cada área exige métricas específicas, e não um controle único e genérico.
“Muitas empresas concentram qualquer questão no departamento de RH, que chega a lidar com dezenas de milhares de funcionários. Isso gera respostas padronizadas, com algumas vantagens, mas também problemas quando se trata de grupos específicos”, explica.
A professora avalia que caberia ao gestor direto adotar uma gestão mais próxima e individualizada. Também considera essencial ter políticas claras de comunicação e feedbacks, para alinhar expectativas e corrigir problemas antes de medidas extremas.
“Mas será que esse gestor tem tempo e preparo? Será que recebeu formação em gestão de pessoas ou apenas em gestão de tarefas? Muitas vezes, o aspecto humano é deixado de lado em favor do foco técnico”, questiona Morilas.
Além disso, cada área tem suas particularidades: a de Tecnologia da Informação (TI), por exemplo, se adapta melhor ao remoto por ter funções concentradas no computador, enquanto setores como comercial e marketing mantêm mais atividades externas.
Para Tatiana Iwai, professora de Comportamento Organizacional e Liderança no Insper, padronizar o monitoramento é difícil e pode ser ineficaz, mas existem alternativas para acompanhar o desenvolvimento dos trabalhadores, como:
➡️ Avaliar conforme as entregas concretas;
➡️ Realizar check-ins regulares (diários ou semanais) para acompanhar o andamento das tarefas.
“Durante o período mais intenso do trabalho remoto, muitas equipes adotaram check-ins diários ou semanais. No início da semana, distribuem as tarefas. No final, apresentam o retorno sobre o que foi feito e como o trabalho avançou”, diz.
⁉️ Impactos na carreira e no mercado
A demissão de 1 mil trabalhadores do Itaú pode ter efeitos significativos no mercado de trabalho, inclusive servir de precedente para que outras empresas questionem ou reduzam o trabalho remoto.
Um estudo do Insper mostra que, em 2020, durante o auge da pandemia, a média de dias trabalhados remotamente ultrapassava quatro por semana. Nos anos seguintes, a frequência caiu gradualmente, mas o modelo remoto seguiu presente.
Em março de 2025, a média já era de apenas 2,32 dias por semana, e 71% dos trabalhadores declararam atuar remotamente ao menos um dia na semana.
Os dados indicam que, mesmo com a redução, o home office segue relevante — com diferenças entre setores. A área de tecnologia manteve altos níveis de trabalho remoto, enquanto a indústria retornou majoritariamente ao modelo presencial.
Média de dias trabalhados remotamente por semana entre 2019 e 2025
Arte g1
“Quando uma empresa desse porte toma uma decisão tão drástica, acaba servindo de munição para que outras organizações questionem a eficácia do home office”, afirma a professora do Insper, Tatiana Iwai.
Apesar disso, a especialista lembra que há evidências empíricas de que o trabalho remoto pode manter níveis satisfatórios de produtividade, desde que bem estruturado e adaptado à natureza de cada função.
“Casos como esse podem levar empresas a adotar controles mais rígidos, sem considerar o impacto na relação de confiança com os trabalhadores. É preciso refletir se não existem outras formas de acompanhar entregas e coordenar equipes sem recorrer a medidas invasivas”, conclui Iwai.
O que diz o Itaú
Desde 2022, quando o Itaú Unibanco relançou seus pilares de cultura organizacional, a Cultura Itubers, o banco se desafiou a fazer as coisas de forma diferente. Atento ao novo cenário pós-pandemia, adotou um modelo flexível de trabalho. Hoje, 60% do quadro de colaboradores trabalha em formato híbrido ou totalmente remoto.
A premissa do novo modelo é conferir autonomia às equipes, o que exige uma confiança ampliada nos colaboradores, mas implica uma maior responsabilização pelas atitudes e escolhas individuais. O Itaú vem acompanhando os debates globais sobre a perenidade do home office ao longo dos anos e, aderente à legislação vigente, monitora o uso de seus equipamentos corporativos e programas licenciados. Esse monitoramento, expressamente previsto em políticas internas assinadas por seus colaboradores, e acordado com os sindicatos, controla eletronicamente a jornada de trabalho no home office e é essencial para garantir sua efetividade.
Ao longo de quatro meses de análises e debates profundos, que mediram a atividade em softwares corporativos em comparação com a jornada de trabalho formalizada em home office e o acúmulo de horas extras, o Itaú identificou uma minoria de colaboradores em jornadas de trabalho remoto com baixos níveis de atividade digital, sendo esse um padrão de comportamento e não situações pontuais. Alguns desses casos, os mais críticos, chegaram a patamares de 20% de atividade digital no dia – de forma sistemática, ao longo de quatro meses – e ainda assim registraram horas extras naqueles mesmos dias, sem que houvesse causa que justificasse. Um exemplo real é de uma área com 316 analistas, de cargos equiparáveis e com média de atividade digital de 72%, enquanto colaboradores desligados apresentavam entre 27 e 37% de atividade digital em quatro meses, além do uso de horas extras. Em outra estrutura, com 30 analistas com média de atividade digital de 75%, o colaborador desligado apresentou 39% de atividade, também com horas extras registradas.
A média geral de atividade digital do banco em home office é de cerca de 75%, patamar que a instituição entende como adequado, considerando sazonalidades, horas de intervalo e descanso. Assim, os casos identificados denotam desvio do padrão de comportamento em relação à maioria dos colaboradores em regime híbrido, o que resulta em quebra de confiança. É por esse motivo que foram desligados alguns colaboradores com boa avaliação de performance. Para o Itaú, essa decisão faz parte de um processo de gestão responsável e tem como objetivo preservar nossa cultura e a relação de confiança construída com clientes, colaboradores e a sociedade.
É fundamental ressaltar que o monitoramento adotado pelo Itaú não considera exclusivamente o uso de mouse ou teclado como métricas de aderência digital e respeita diretrizes previstas na LGPD, ao não realizar captura de telas, áudios ou vídeos. O programa utilizado provê indicadores robustos da atividade digital real dos mais diversos softwares licenciados para uso corporativo, inclusive chamadas em vídeo, mensageria, cursos à distância, pacote Office, dentre outros. As métricas de atividade digital consideraram 1 hora e 45 minutos de pausas diárias, além do almoço, e foram complementados por análises individualizadas, como necessidades específicas do colaborador, ausência por temas pessoais ou familiares, saúde, viagens a trabalho ou eventos externos etc. O processo, como um todo, foi rigorosamente auditado pela Diretoria de Auditoria do Itaú.
Por fim, o Itaú reforça que as medidas adotadas aprimoram o trabalho híbrido e flexível, ao dar luz à importância da autonomia responsável. Os desligamentos não têm o objetivo de redução de quadro, portanto, as contratações no banco continuam e as reposições dessas vagas serão discutidas caso a caso e dentro do cenário de cada área.
Adendo:
1. O monitoramento das atividades digitais dos colaboradores do Itaú Unibanco está respaldado por suas diversas políticas internas e assinadas por seus colaboradores não apenas em seus contratos de trabalho, como também na retirada de equipamentos corporativos, além de termos explicitamente assinados, como: Política de Monitoração de Segurança no Uso de Recursos Eletrônicos, Política de Privacidade e Proteção de Dados para Colaboradores; Política Corporativa de Segurança da Informação e Cyber Security; Política Corporativa de Prevenção à Corrupção; Política Corporativa de Prevenção a Atos Ilícitos, Política de Orientação e Aplicação de Medidas Disciplinares, dentre outros.
Home office
Pexels/Vlada Karpovich